Fui demitida, mas estou grávida… E agora?
A lei trabalhista prevê direitos específicos à empregada gestante, e um deles é a estabilidade no emprego durante o período gestacional até cinco meses após o parto (art. 391-A, da CLT), cabendo reintegração no emprego em caso de demissão arbitrária ou imotivada, bem como indenização correspondente aos salários e seus reflexos desde a demissão até a efetiva reintegração.
Porém, há um detalhe que gera tamanha discussão jurídica, ainda: o termo inicial dessa estabilidade, o fato gerador do direito à estabilidade.
O texto constitucional dispõe no seguinte sentido: fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (…); b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. (art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT).
Não à toa destacamos o termo ‘confirmação’, pois é justamente esse o ponto que gera o dissenso doutrinário e jurisprudencial em comento.
Nos exatos termos da Constituição Federal a empregada gestante não pode ser demitida desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, de forma que o legislador constitucional adotou como termo inicial da estabilidade gestacional a confirmação da gravidez. Mas, nesse caso, o que se depreende do vocábulo ‘confirmação’?
Vamos exemplificar para facilitar a compreensão da divergência: imaginemos que a empregada foi demitida e, apenas depois da demissão, descobriu que estava grávida, realizando exame médico hábil que comprovou concepção da gravidez na vigência do contrato de trabalho. Nesse caso, temos a concepção da gravidez antes da demissão da empregada, e sua comprovação depois.
É justamente nesse ponto que orbita a celeuma: enquanto objeto inicial do direito à estabilidade gestacional, se o termo ‘confirmação’ consiste em concepção ou comprovação da gravidez. Em outras palavras, se ao empregador é vedado demitir a empregada gestante desde a concepção da gravidez ou desde sua comprovação por meio de exame médico hábil.
Note-se que, caso o entendimento seja ‘desde a concepção da gravidez’, estamos diante de responsabilidade objetiva do empregador, pois basta o estado gravídico da empregada para que seja vedada a demissão arbitrária ou sem justa causa. Ao passo que, se adotarmos o entendimento ‘desde a comprovação’ estaremos diante de responsabilidade subjetiva do empregador, pois tão somente a comprovação pretérita da gravidez perante o empregador obstaria a demissão, exigindo-se, portanto, o conhecimento da gravidez e a realização do exame médico antes do ato demissional.
Nesse cenário, temos duas correntes argumentativas: a da teoria da responsabilidade objetiva do empregador e a de sua responsabilidade subjetiva, como se infere das ementas abaixo:
Ementa: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. CONFIRMAÇÃO DA GRAVIDEZ APÓS A DISPENSA. CONCEPÇÃO NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO. ESTABILIDADE ASSEGURADA. Consoante jurisprudência pacífica do col. TST, o fato gerador da garantia de emprego à empregada gestante surge com a concepção, independentemente da ciência do estado gravídico pelo empregador e pela própria empregada – pois a garantia de emprego tem por objeto a proteção do nascituro (art. 10, b, do ADCT c/c Súmula 244, do col. TST), sendo irrelevante, pois, que a confirmação da gravidez tenha ocorrido após a dispensa. Apelo patronal a que se nega provimento. (TRT–1, RO 0010366-96.2015.5.01.0074, 5ª Turma, Relator Enoque Ribeiro dos Santos, Publicação 10.07.2015).
Ementa: VOTO ESTABILIDADE PROVISÓRIA – GRAVIDEZ. Irresigna-se a Recorrente contra a sentença a quo que reconheceu não ser devida a estabilidade em função do seu estado gravídico e, em conseqüência, indeferiu a sua reintegração ao trabalho, bem como pagamento das parcelas decorrentes. Pleiteia, assim, a reforma da sentença de base para que seja reconhecida a estabilidade vindicada ou a indenização equivalente. Sem razão. Já é entendimento dominante neste Tribunal que o art. 10, II, “a”, do ADCT, não exige a comunicação formal ao empregador, pela empregada gestante, do seu estado de gravidez. É NECESSÁRIA, PORÉM, A CONFIRMAÇÃO DA GESTAÇÃO, QUE DEVE SE DAR ANTES DA DESPEDIDA. Isto, porém, não ocorreu in casu. Observe-se que a Reclamante traz aos autos, com o intuito de comprovar o seu estado gravídico, o exame ultra-sonográfico de fl. 09, datado de 29/09/2008, onde fora confirmada a gravidez, embora a despedida tenha ocorrido em 07/08/2008, aproximadamente cinqüenta dias antes. Não fosse isso suficiente, a própria Reclamante afirmou em audiência (fl.13) que nem mesmo ela sabia que estava grávida no dia da sua despedida. Desta forma, restou devidamente comprovado que à época da rescisão não havia confirmação do estado gravídico da Recorrente, pelo que, de acordo com o que preceitua o dispositivo que rege a matéria, não faz jus a Recorrente a estabilidade vindicada ou a indenização equivalente. O dispositivo que rege a matéria (art. 10, II, b, ADCT) é claro e inafastável: “…II- fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:…b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto.” (TRT-5, RO 0121900-19.2008.5.05.0611, Primeira Turma, Relatora Desembargadora Elisa Amado, Publicação 17/06/2009).
Inobstante, a teoria predominante é no sentido de que a responsabilidade do empregador é objetiva. Inclusive, esse é o entendimento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho, conforme elucidado pela Ministra Delaíde Miranda Arantes, na relatoria da Revista do processo nº 169540-80.2008.5.02.0391, da 7ª Turma do TST:
A jurisprudência desta Corte já se posicionou no sentido de que, ainda que a confirmação da gravidez aconteça após a dispensa da empregada, e mesmo que o empregador não tenha ciência do estado gravídico, esta faz jus à estabilidade gestacional desde que a concepção tenha ocorrido na vigência do contrato de trabalho.
A Súmula 244, do TST tentou por fim à discussão ao dispor no item I que “o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade”, contudo nos parece que ainda não é o fim da celeuma, mormente em vista das inúmeras decisões proferidas pelos tribunais regionais com entendimento que para garantia da estabilidade gestacional necessária comprovação do estado gravídico antes da ruptura contratual.
Vale ressaltar que a matéria é muito mais densa que o exposto sumariamente até aqui, envolvendo questões de dignidade humana, direito à vida e à proteção do nascituro, sendo oportuno, portanto, o aprofundamento do tema.
De toda sorte, não resta dúvida que a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória no emprego, e caso seja demitida faz jus a reintegração no cargo, bem como à indenização correspondente aos salários e demais vantagens e reflexos salariais desde a rescisão até sua efetiva reintegração, não obstante, como exposto, a controvertida matéria quanto ao termo inicial da referida estabilidade.