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Desde o início do mês de março deste ano estamos sentindo os impactos da pandemia do COVID-19, em razão das medidas restritivas necessárias a que fomos submetidos, cada vez mais presentes no país.

O período de quarentena e isolamento social, como medida de atenuação, obrigou muitos comerciantes a fecharem as portas para evitar aglomerações, circulação de pessoas e atendimento presencial para as atividades que não são consideradas como essenciais – mesmo os locais que continuam operando estão sentido a diminuição expressiva do número de atendimento, e isso certamente causa prejuízo à manutenção da atividade empresarial.

Alguns casos ainda estão conseguindo se adaptar com atendimento digital e delivery, mas outros não.

É certo que grande parte das pequenas e médias empresas são as que mais sofrerão, pois dependem muito do movimento mensal para manter o fluxo de caixa em dia e as atividades em funcionamento.

O momento agora é de cortes e restrições, para de alguma forma conseguir superar essa fase. Porém, é preciso lembrar que após esse período é preciso ter força operacional para a retomada e recuperação.

Além de toda a reestruturação financeira é preciso ter um plano para as relações trabalhistas.

Da mesma forma que a empresa precisa garantir sua estabilidade, o empregado também não pode ficar desamparado, pois precisa também de recursos para passar por esse momento e será um elemento fundamental para restaurar a saúde financeira da empresa posteriormente.

Sendo assim, como o empregador deve agir nesse momento? Como manter a saúde financeira da empresa e ao mesmo tempo zelar pela manutenção das relações de trabalho com os funcionários?

Bom, a boa notícia é que muitas possibilidades estão surgindo com as recentes Medidas Provisórias aprovadas, que flexibilizaram as relações de trabalho e ofereceram opções para os empregadores reduzirem custos trabalhistas. Mas, todas essas medidas devem ser analisadas e adotadas com cautela para que propiciem a devida segurança jurídica.

Em nossas páginas das redes sociais publicamos diversos vídeos e conteúdos abordando essas medidas que possibilitam o empregador atenuar os impactos e possíveis prejuízos, e agora aqui vamos fazer um apanhado geral delas para sintetizar.

 

TELETRABALHO

Conforme dispõe o artigo 4º da MP 927/2020, o empregador poderá alterar o regime de trabalho presencial do empregado, inclusive dos estagiários e aprendizes, para o trabalho a distância, no chamado home office, bem como determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos.

O teletrabalho consiste na prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo como de motofretista, por exemplo.

Exige-se como requisitos:

  • Notificação escrita ou por meio eletrônico;
  • Antecedência mínima de 48 horas;
  • Contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de 30 dias da mudança do regime; e,
  • Posterior registro da alteração do contrato de trabalho na CTPS.

É importante que o contrato disponha sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária e adequada à prestação do serviço e sobre o reembolso das eventuais despesas arcadas pelo empregado.

Por fim, vale destacar que o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar pelos serviços de infraestrutura.

 

ANTECIPAÇÃO DAS FÉRIAS

Este tópico diz respeito à antecipação das férias individuais e coletivas, exceto para os profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, que tiveram as férias ou licenças não remuneradas suspensas.

No que diz respeito às férias individuais, segundo dispõe o art. 6º  da MP 927/2020, o empregador poderá antecipar o gozo das férias do empregado, cujo período aquisitivo já tenha transcorrido; cujo período aquisitivo ainda não tenha transcorrido; e, inclusive, do período aquisitivo que ainda não tenha ao menos iniciado.

Os requisitos para tanto são:

  • Notificação escrita ou por meio eletrônico;
  • Antecedência mínima de 48 horas;
  • Indicação do período a ser gozado; e,
  • Período de gozo igual ou superior a cinco dias corridos;

Quanto à antecipação das férias coletivas, segundo dispõe o art. 11 da MP, o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas, sem a necessidade de observância ao limite máximo de períodos anuais e ao limite mínimo de dias corridos, previstos na Consolidação das Leis do Trabalho.

Ressalte-se que o pagamento da remuneração das férias deve ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo e que o pagamento do adicional de um terço de férias deve ser feito até a data do pagamento do 13º salário, ou seja, até 20 de dezembro.

Ademais, é importante destacar que tem prioridade na antecipação das férias os empregados que estão no grupo de risco do coronavírus.

 

ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS E BANCO DE HORAS

Conforme dispõe o art. 13 da Medida Provisória 927/2020, durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá antecipar o gozo de feriados.

A medida preceitua procedimentos distintos para antecipação do gozo de feriados religiosos e não religiosos.

Para os feriados não religiosos, os requisitos são:

  • Notificação escrita ou por meio eletrônico;
  • Antecedência mínima de 48 horas; e;
  • Indicação expressa dos feriados aproveitados.

Já para os feriados religiosos, os requisitos são:

  • Expressa concordância do empregado; e,
  • Acordo individual escrito.

Em relação ao banco de horas, dispõe o art. 14 da mesma Medida Provisória que o empregador poderá interromper as atividades e constituir um regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em seu favor ou do empregado.

Para tanto, os requisitos são:

  • Acordo individual ou coletivo
  • Compensação do banco de horas no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Essa medida permite que o período de inatividade do empregado, em razão da interrupção das atividades da empresa, seja posteriormente compensado por ele, mediante prorrogação de sua jornada de trabalho em até duas horas.

Assim, o empregador poderá exigir que, após o estado de calamidade, o empregado trabalhe até duas horas extras diárias, sem remuneração, para compensar o período de sua inatividade durante a interrupção da atividade da empresa.

 

SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO

Segundo dispõe o art. 15 da Medida Provisória, o empregador poderá suspender a realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares.

Todavia, não são contemplados:

  • os exames demissionais; e,
  • aqueles que a suspensão de sua realização represente risco para a saúde do empregado.

No caso do exame demissional, sua realização também poderá ser suspensa na hipótese de existência de exame médico ocupacional realizado há menos de 180 dias.

Vale ressaltar que, encerrado o estado de calamidade pública, os referidos exames devem ser realizados no prazo de 60 dias.

Do mesmo modo, o art. 16 da MP preceitua que o empregador poderá suspender também a realização de treinamentos periódicos e eventuais dos empregados.

Mas, caso queira, poderá disponibilizá-los na modalidade de ensino à distância.

No caso de treinamento à distância, o empregador deverá observar o conteúdo prático do treinamento, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.

Encerrado o estado de calamidade pública, o empregador deverá providenciar a realização dos treinamentos no prazo de 90 dias.

Ademais, caso queira, o empregador poderá, ainda, manter as comissões internas de prevenção de acidentes e suspender os respectivos processos eleitorais em curso.

 

RECOLHIMENTO DO FGTS

De acordo com o art. 19 da MP, a exigibilidade do recolhimento do FGTS restou suspensa, no que diz respeito às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020.

O recolhimento do FGTS das referidas competências poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos, e poderá ser quitado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.

O aproveitamento dessa medida é destinado ao empregador, independentemente:

I – do número de empregados;

II – do regime de tributação;

III – da natureza jurídica;

IV – do ramo de atividade econômica; e

V – da adesão prévia.

O requisito exigido para aproveitamento dessa medida é que o empregador declare à RFB e ao Conselho Curador do FGTS todas as informações pertinentes ao INSS e ao FGTS até 20 de junho de 2020.

Vale ressaltar que os valores declarados constituirão confissão de dívida e os valores não declarados serão considerados em atraso.

Por fim, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, as parcelas vincendas terão sua data de vencimento antecipada, e o empregador deverá:

I – recolher os respectivos valores; e,

II – depositar o FGTS do mês da rescisão e do imediatamente anterior.

 

REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E DE SALÁRIO; E SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO

Nos termos do art. 3º da Medida Provisória n. 936/2020 é possível ao empregador reduzir proporcionalmente a jornada de trabalho e o salário do empregado, suspender temporariamente o contrato de trabalho e, cumulativamente com as referidas medidas, poderá conceder uma ajuda compensatória ao empregado para obter benefícios fiscais, tudo desde que cumpridos os seguintes requisitos legais:

  • Acordo individual escrito ou convenção ou acordo coletivo, a depender do caso concreto;
  • Comunicação ao Ministério da Economia sobre a respectiva medida adotada, no prazo de dez dias, e, se adotada mediante acordo individual, também ao sindicato laboral, no mesmo prazo;
  • Duração de, no máximo, noventa dias, no caso de redução, e 60 dias, no caso de suspensão;
  • Preservação do valor do salário-hora, no caso de redução;
  • Antecedência mínima de dois dias corridos, para comunicação ao empregado;
  • Redução proporcional da jornada e do salário nos percentuais, exclusivamente, de 25%, 50% e 70%, mas podendo a convenção ou acordo coletivo dispor de forma diferente;
  • Restabelecimento das condições contratuais anteriores no prazo de dois dias, contado da cessação do estado de calamidade pública; da data estabelecida como termo de encerramento do período de duração da respectiva medida pactuada; ou, da data em que o empregador comunique ao empregado sobre sua decisão de antecipar o fim do período da respectiva medida pactuada.
  • Garantia provisória no emprego, durante o período da medida adotada, bem como após o seu término, pelo período equivalente ao ajustado para duração da respectiva medida.
  • No caso de suspensão temporária do contrato de trabalho, caso a empresa tenha auferido receita bruta superior a R$ 4.800.000,00, no exercício 2019, apenas poderá suspender o contrato se cumulativamente pagar ao empregado ajuda compensatória mensal no valor de 30% do correspondente salário.
  • A ajuda compensatória, salvo no caso anterior, é facultativa e poderá ter o valor ajustado pelas partes no acordo individual ou na convenção ou acordo coletivo;
  • A ajuda compensatória, como vantagem ao empregador, não integrará a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a folha de pagamento, inclusive do FGTS, bem como não integrará o salário devido pelo empregador e poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto de renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

 

Para verificação dos requisitos é indispensável analisar o caso concreto, tendo em vista que a medida provisória adotou critérios distintos para cumprimento dos respectivos requisitos.

Destacamos o disposto no art. 12, como exemplo, que autoriza a adoção das medidas em comento mediante acordo individual apenas para os empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 e para os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário igual ou superior a R$ 12.202,12, sendo, para os demais casos, exigido que as medidas sejam estabelecidas somente por convenção ou acordo coletivo.

Neste cenário com muitas novas informações e em meio a tantas incertezas, frequentemente somos questionados sobre qual a melhor opção dentre as possibilidades existentes e as que surgiram com as recentes Medidas Provisórias, como a MP n. 927/2020 e a MP n. 936/2020, conforme mencionadas alhures.

A resposta é que TUDO DEPENDE!

Inexiste uma medida padrão que atenda genericamente à necessidade de todos.

É momento de cautela, atenção e atitudes planejadas, pois é necessário balancear a manutenção dos empregos com a saúde financeira e sustentabilidade da empresa.

Cada caso deve ser analisado de forma singular, investigando-se todo o cenário em que a empresa se encontra, para então adotar a medida adequada ao contexto, visando menor incidência de riscos e maior potencial de crescimento. É preciso levar em consideração a amplitude da situação, não apenas cada medida trabalhista pensada isoladamente.

Para tanto é imprescindível o suporte jurídico. O advogado é o melhor profissional para mensurar os riscos envolvidos e indicar as melhores práticas com segurança jurídica.

É desaconselhável a adoção de qualquer medida com base em “achismos”, diante do alto risco de assumir-se uma postura prejudicial à recuperação e retomada de crescimento da empresa.

O desenvolvimento tecnológico, cada vez mais, vem impactando nossas vidas, inclusive no que diz respeito às relações de trabalho. São notórios todos os avanços e mudanças ocasionados pela tecnologia, com inúmeras ferramentas digitais disponíveis atualmente.

Sem dúvida essa evolução vivenciada tem alterado os processos operacionais e a configuração do trabalho, resultando em novas profissões, novas formas de ofertas e contratação de serviços, assim como diversas outras situações que pertencem a esse novo cenário, e que necessitam de compreensão jurídica para a devida incidência legislativa.

Nessa tentativa de enquadrar novos formatos de trabalho à legislação já existente são inevitáveis os diversos questionamentos e discussões a esse respeito.

Uma dessas discussões foi travada, inclusive, recentemente, quando a Justiça do Trabalho foi instada a se manifestar em relação à existência, ou não, de vínculo de emprego entre o Ifood e seus entregadores profissionais, que prestam serviços de transporte de mercadorias, na modalidade Full Sevice – plano disponibilizado pelo Ifood aos restaurantes que não possuem estrutura própria para realizar a entrega de seus produtos.

Nessa modalidade, a relação de trabalho se resume na seguinte forma: cadastram-se na plataforma do Ifood o restaurante, o consumidor e o parceiro entregador. O parceiro entregador pode ser uma empresa especializada em entrega rápida, chamadas de “operadores logísticos”, ou o próprio trabalhador pessoa física, num formato denominado de “nuvem”. O pedido feito pelo consumidor é encaminhado pelo Ifood para um smartfone, tablete ou computador do restaurante escolhido pelo consumidor e, simultaneamente, para o do parceiro entregador que esteja mais próximo daquele restaurante; caso o pedido seja recusado pelo parceiro entregador, o Ifood continua encaminhando o pedido para outro parceiro entregador até que algum aceite; após o aceite, o trabalhador, geralmente um motoboy, seja por intermédio dos operadores logísticos, seja de forma independente na “nuvem”, retira o pedido no restaurante e entrega no endereço indicado pelo consumidor, recebendo o correspondente pagamento pelo serviço prestado.

Perceba que, nesse formato, o trabalhador pode prestar seus serviços de duas formas na plataforma do Ifood: mediante o intermédio dos “operadores logísticos” ou fazendo seu cadastro diretamente na “nuvem”, de forma independente, sem intermediário.

Ressalte-se que, segundo consta dos autos do referido processo, em ambos os casos o trabalhador tem total autonomia para decidir quando trabalhar (ficar on-line ou off-line na plataforma, aceitar ou não o pedido de entrega), como trabalhar (moto, bicicleta, a pé, etc.) e com quem trabalhar (quais restaurantes e consumidores quer atender).

Enfim, o processo já foi julgado em primeira instância, com a improcedência da ação.

Nesse caso do Ifood, um dos pontos depreendidos é justamente a necessidade de compreensão jurídica desses novos modelos de trabalho que surgem com o mundo digital para a melhor adequação legislativa, e tudo isso fica muito evidenciado na abertura da sentença proferida pela juíza do caso, Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar:

O tema é novo, global e desafiante uma vez que, com a evolução tecnológica, um mesmo modelo de operação comercial, industrial ou de serviços se espalha pelo mundo quase que de forma instantânea, com elementos de figuras jurídicas diversas entremeados e que precisa ser tutelado de acordo com o ordenamento jurídico de cada um dos países nos quais passa a ser utilizado.

Diante o modelo de operação de movimentação de capital e de força humana de trabalho, apresentado na presente ação é inegável que se exige serenidade em sua análise com o objetivo de ter clareza acerca da legislação aplicável ao modelo que já está inserido em nossa organização social, bem como, a partir da definição encontrada, possibilitar a segurança jurídica nas relações, os caminhos para o aperfeiçoamento e o aplainamento do que há de vir e evoluir ou do que há de se tutelar e coibir.

Como se infere, esses novos modelos de trabalhos decorrentes da evolução tecnológica deflagram profundos questionamentos e discussões justamente para proporcionar segurança jurídica às relações laborais estabelecidas nesse cenário, tutelando direitos e coibindo abusos.

Nessa esteira, merece observação as relações laborais tuteladas em nosso sistema jurídico, sendo certo que o trabalhador pode ofertar seu serviço como empregado ou como profissional autônomo, independente do meio tecnológico utilizado para sua constituição e operação.

O emprego é caracterizado, em resumo, pela prestação de serviço disponibilizada pela pessoa física à empresa ou equiparado para esse fim, sob as seguintes condições:

– Subordinação; pessoalidade; habitualidade; e, onerosidade.

Uma vez presentes essas condições na prestação de serviços, a legislação trabalhista passa a incidir sobre a relação de trabalho estabelecida, assegurando direitos ao trabalhador como registro do contrato de trabalho na CTPS, férias remuneradas acrescidas de 1/3, décimo terceiro salário, horas extras, dentre outros, inclusive, previstos nas Convenções Coletivas de Trabalho.

Por outro lado, a ausência de qualquer desses caracteres afasta o reconhecimento do vínculo de emprego, passando a incidir sobre a relação de trabalho, principalmente, as disposições contidas no Código Civil, pertinentes à prestação de serviço dos trabalhadores autônomos, que prestam serviços de acordo com sua formação, experiência e/ou equipamentos operacionais para outras pessoas ou empresas em troca de remuneração, sendo eles mesmos os próprios responsáveis por deliberar sobre quando, como e com quem trabalhar.

Inclusive, na sentença do caso Ifood a juíza expõe a seguinte diferenciação: “A prestação de serviços abrange, necessariamente, prestações laborais autônomas, ao passo que o contrato empregatício abrange necessariamente, prestações laborais subordinadas”.

Acerca do requisito subordinação, Maurício Godinho Delgado assevera:

Não obstante a relação de emprego resulte da síntese indissolúvel dos cinco elementos fático-jurídicos que a compõem, será a subordinação, entre todos esses elementos, o que ganha maior proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia. (Curso de Direito do Trabalho, Mauricio Godinho Delgado, 12ª ed. São Paulo: LTr 2013, p. 292).

Neste sentido o Colendo TST já decidiu, senão vejamos:

EMENTA: RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. REQUESITOS. SUBORDINAÇÃO. A decisão do Tribunal Regional acerca da questão se fundamentou no conjunto probatório, consignando a ausência de subordinação entre reclamante e reclamado. Assim, a reforma dessa decisão é inviável, dado que a aferição das alegações recursais requereria novo exame do escólio probatório, inviável via recurso de revista, conforme orienta a Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido.               (TST – Recurso de Revista nº 122800-82.2009.5.03.0106, 6ª Turma, Relator Augusto Cesar Leite de Carvalho, Publicado no DEJT em 06.09.2013).

Amauri Mascaro Nascimento conceitua subordinação como:

(…) uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará (Iniciação ao Direito do Trabalho, Amauri Mascaro Nascimento, 38º edição, São Paulo: LTr 2013, pag. 174).

Observe que não apenas para o caso do Ifood, mas também, para outras relações de trabalho é importante avaliar a dicotomia – autonomia versus subordinação, para que não haja confusão sobre as relações de trabalho estabelecidas, ainda que em razão da evolução tecnológica.

Para configurar o vínculo empregatício é importantíssimo e obrigatório que haja as condições já citadas anteriormente (subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade). Quando o profissional se coloca a disposição numa relação de prestação de serviços autônoma está subtendida, a priori, sua autonomia profissional. Justamente por isso o caso Ifood foi julgado improcedente, sob a seguinte análise:

Em resumo, restou demonstrado que o trabalhador se coloca a disposição para trabalhar no dia que escolher trabalhar, iniciando e terminando a jornada no momento que decidir, escolhendo a entrega que quer fazer e escolhendo para qual aplicativo vai fazer uma vez que pode se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos desejar.

Registre-se que não estamos entrando no mérito do impacto econômico e social, acerca de benefícios versus prejuízos dos novos modelos de trabalho, especialmente quando decorrentes de momentos de crise.

O presente artigo apenas pontua, brevemente, sobre os desafios jurídicos em face das novas modalidades de trabalho advindas do avanço tecnológico, acerca das características da relação de emprego versus a relação de serviço autônomo para que se evidencie a diferenciação, sendo certo que até pouco tempo grande parte dos trabalhadores autônomos eram profissionais com algum conhecimento técnico especializado em determinada área (pedreiro, eletricista, dentista, advogado), porém atualmente novas configurações surgiram possibilitando que muitos trabalhadores, especializados ou não na prestação do serviço, coloquem-se a disposição para trabalhar de forma livre e autônoma, e tudo isso é possível devido aos avanços da tecnologia que abriram as portas dos “serviços sob demanda” e as plataformas digitais da “Economia GIG”.

 

Empregadores que não possuem uma assessoria jurídica e que desconhecem os benefícios da legislação trabalhista acabam não usufruindo, da melhor maneira, os recursos existentes no Direito do Trabalho que, inclusive, possibilitam superar os momentos de crise.

A diversificação das modalidades de contratação de mão de obra pode representar um ótimo benefício quando o assunto é redução de custos trabalhistas.

Por exemplo, para um comércio ou empresa que possui picos de produção ou atividade, com maior procura em determinados dias da semana e horários, a contratação de empregados em tempo integral, que é a modalidade mais usual de contratação, pode não ser a mais indicada nesse caso, considerando os custos desnecessários com os períodos ociosos da atividade.

Note-se que, nesse cenário, a realização das atividades dessa empresa não necessita de um empregado em tempo integral, durante oito horas diárias.

Assim, quando a ausência do empregado nestes períodos ociosos não representa impacto negativo em seu negócio, você pode facilmente adotar outra modalidade de contrato de trabalho, como a contratação em regime de tempo parcial, onde a remuneração dos empregados é proporcional à sua jornada, adequando-os às necessidades de sua empresa.

Nesse caso, o contrato de trabalho em regime de tempo parcial pode ser a solução para sua empresa superar os momentos de crise, mantendo a lucratividade necessária, mas com custos reduzidos.

Então, vamos entender um pouco mais sobre essa modalidade de contrato de trabalho.

Segundo o art. 58-A da CLT, considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas extras semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas extras semanais.

Por sua vez, o § 1o  do dispositivo supracitado, preceitua que o salário dos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, jornadas de trabalho em tempo integral.

Perceba que a redução dos custos se dá, justamente, porque a remuneração do empregado contratado nessa modalidade será feita proporcionalmente à jornada de trabalho em tempo integral, possibilitando, a depender do caso, uma redução dos custos trabalhistas em até 40%.

Vale ressaltar que, de acordo com o § 2o, do mesmo dispositivo, é possível a adoção dessa modalidade de contrato de trabalho aos empregados atuais da empresa, que foram contratados em regime de tempo integral ou em outra modalidade, observando-se os instrumentos decorrentes de negociação coletiva.

Mas, temos que é imprescindível elaboração de termo que expresse a manifestação do empregado acerca da adoção do contrato de trabalho em regime de tempo parcial.

Registre-se também que, no caso dos contratos em regime de tempo parcial, cuja jornada de trabalho possibilite a realização de horas extras, nos termos do § 3º do dispositivo em comento, há a possibilidade de compensação dessas horas até a semana imediatamente posterior à da sua execução, caso contrário, devendo ser feita a sua quitação na folha de pagamento do mês subsequente, com o acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o salário-hora normal.

Ademais, para o empregado também há benefícios, pois surge a oportunidade de manutenção de sua empregabilidade nos momentos de crise da empresa, além da possibilidade de conciliação com outra atividade para ampliação de sua fonte renda.

Com efeito, como notamos no exemplo exposto, uma assessoria jurídica pode fornecer a solução para sua empresa superar os momentos de crise, considerando que ela pode indicar a melhor modalidade de contrato de trabalho para sua atividade, adequando-os às necessidades de seu negócio.

Dessa forma, com ajuda de uma assessoria jurídica você pode facilmente analisar se os contratos de trabalho de sua empresa foram elaborados de acordo com a legislação e se estão alinhados às necessidades de sua empresa, ou se estão gerando custos desnecessários e comprometendo a saúde do seu negócio.

A reforma trabalhista promoveu alteração no prazo para pagamento das verbas rescisórias que tem gerado considerável discussão jurídica, além de dúvidas em empregados e empregadores.

A atual redação do texto legal preceitua que:

Art. 477.  (…)

§6º. A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.

§8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.

Note-se que, de acordo com o novo texto legal o pagamento das verbas rescisórias deve ser efetuado até o décimo dia posterior ao término do contrato de trabalho, sob pena do pagamento de multa.

Assim, numa primeira leitura, a resposta para a arguição parece fácil, né: o pagamento deve ser realizado em até dez dias após o término do contrato de trabalho.

Mas, você que é empregador ou empregado sabe quando é o término do contrato?

É justamente neste ponto que a querela reside.

Para uns, o término do contrato ocorre no último dia considerado como dia de efetivo trabalho, isto é, o dia determinado pelo empregador para que o empregado cesse suas atividades: último dia do aviso prévio trabalhado ou o dia da notificação da demissão. Para outros, com o último dia da projeção do aviso prévio, ressaltando-se que este pode estender-se em até 90 dias após o último dia considerado como dia de efetivo trabalho (Lei 12.506/2011).

Bem, para entendimento do contexto atual, vejamos o que dizia a legislação anterior à reforma:

CLT.

Art. 477. (…)

§6º – O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:

a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou

b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.

§8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.

Percebe-se que existiam duas situações que implicavam em prazos diferentes para pagamento das verbas rescisórias: uma com aviso prévio trabalhado (a) e outra com aviso prévio indenizado (b).

Na prática, caso o empregado demitido cumprisse o aviso prévio trabalhado o empregador deveria efetuar o pagamento das verbas rescisórias no primeiro dia útil imediato ao término do contrato, isto é, após o último dia considerado como dia de efetivo trabalho; caso o trabalhador fosse demitido com aviso prévio indenizado o empregador deveria pagar as verbas rescisórias até o décimo dia posterior à data da notificação da demissão, que também seria o último dia considerado como dia de efetivo trabalho.

Assim, na prática, depreende-se que nas duas situações previstas na redação anterior os prazos eram contados a partir do último dia considerado como dia de efetivo trabalho: sendo com aviso prévio trabalhado, no primeiro dia útil imediato, sendo com aviso prévio indenizado, até o décimo dia subsequente.

Seguindo este entendimento, tem-se que o legislador da reforma trabalhista buscou facilitar a vida dos empregadores e empregados, positivando na nova redação legal prazo único para pagamento das verbas rescisórias, de até dez dias após o término do contrato, que seria o último dia considerado como dia de efetivo trabalho para fins de pagamento rescisório, isto é, o último dia do aviso prévio trabalhado ou a data da notificação da demissão.

Por outro lado, ainda sobre a querela, dispõem o §1º, do art. 487, e o art. 489 da CLT:

Art. 487. (…)

§1º – A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.

Art. 489. Dado o aviso prévio, a rescisão torna-se efetiva depois de expirado o respectivo prazo, mas, se a parte notificante reconsiderar o ato, antes de seu termo, à outra parte é facultado aceitar ou não a reconsideração.

Note-se que os dispositivos supracolacionados dispõem que o aviso prévio integra o tempo de serviço do empregado, tornando-se a rescisão efetiva com a expiração do respectivo prazo.

Assim, em linhas gerais, tem-se que o término do contrato de trabalho se daria com o último dia da projeção do aviso prévio, já que este integra o tempo de serviço e torna efetiva a rescisão do contrato de trabalho, com o decurso do respectivo prazo.

Nesse sentido, cogita-se que o empregador poderia, teoricamente, efetuar o pagamento das verbas rescisórias em até 100 dias após o último dia considerado como dia de efetivo trabalho, já que o prazo é de até 10 dias após o término do contrato de trabalho (§6º, do art. 477, da CLT), entendendo-se que este é o último dia da projeção do aviso prévio, que pode estender-se até 90 dias conforme dispõe o parágrafo único, do art. 1º, da Lei 12.506/2011.

Todavia, a jurisprudência já manifestou que a projeção do aviso prévio proporcional superior a trinta dias não pode ser adotada em detrimento do empregado:

A proporcionalidade do aviso prévio a que se refere a Lei 12.506/2001 apenas pode ser exigida da empresa, uma vez que entendimento em contrário, qual seja, exigir que também o trabalhador cumpra aviso prévio superior aos originários 30 dias, constituiria alteração legislativa prejudicial ao empregado, o que, pelos princípios que norteiam o ordenamento jurídico trabalhista, não se pode admitir. Dessarte, conclui-se que a norma relativa ao aviso prévio proporcional não guarda a mesma bilateralidade característica da exigência de 30 dias, essa sim obrigatória a qualquer das partes que intentarem resilir o contrato de emprego. (TST – SDI-1, Recurso de Revista nº 1964-73.2013.5.09.0009).

Assim, entende-se que o término do contrato não poderia ser o último dia da projeção do aviso prévio, pois esta interpretação seria em detrimento do empregado, já que seguindo essa linha o empregado poderia permanecer até cem dias após o último dia considerado como dia de efetivo trabalho para receber o pagamento de suas verbas rescisórias.

Além do supracitado entendimento jurisprudencial, tem-se que considerar o último dia da projeção do aviso prévio como término do contrato de trabalho para fins de pagamento rescisório deixaria o empregado em estado de abandono, tendo em vista a natureza alimentar das verbas rescisórias, que poderiam ser pagas ao longo de até 100 dias após o último dia considerado como dia de efetivo trabalho, de forma que neste período o trabalhador demitido ficaria desamparado, inclusive impossibilitado de sacar o FGTS e dar entrada no seguro desemprego, já que estes dependem da documentação rescisória.

Vale ressaltar que ainda não temos notícias sobre o posicionamento da jurisprudência quanto à nova previsão legal pertinente ao novo prazo para pagamento das verbas rescisórias.

Diante dessas considerações, temos que é medida preventiva para o empregador a realização do pagamento das verbas rescisórias em até dez dias após o último dia considerado como dia de efetivo trabalho, isto é, nos dez dias após o último dia do aviso prévio trabalhado ou da data da notificação da demissão, no caso de aviso prévio indenizado, possibilitando melhores condições aos seus empregados demitidos e evitando possíveis demandas judiciais desnecessárias ou, até mesmo, o pagamento de eventual multa.

A Reforma Trabalhista, vigente desde novembro de 2017, ainda é alvo de muitas discussões e opiniões diversas: para uns, motivo de comemoração, e para outros, de lamentação. Mas, discussões à parte, falaremos um pouco sobre as férias individuais, pós reforma trabalhista.

Importa dizer, a título de curiosidade, que o direito às férias foi introduzido no Brasil, inicialmente, pelo Decreto 4.982, de 24 de dezembro de 1925, que assegurava 15 dias de férias aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, indústrias e bancários, sem prejuízo da contraprestação pecuniária, passando a vigorar como lei apenas com a decretação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, e adquirindo status constitucional, posteriormente, com a promulgação da Constituição de 1988, como previsto no art. 7º, inciso XVII.

Pois bem, acerca da reforma trabalhista, uma alteração que merece destaque diz respeito ao fracionamento do período das férias individuais, disposto no art. 134, da CLT.

Assim preceituava o texto anterior:

Art. 134. As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.

  • 1º Somente em casos excepcionais serão as férias concedidas em 2 (dois) períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 (dez) dias corridos

Como se infere da redação anterior, a regra era a concessão das férias em um único período, havendo a possibilidade de fracionamento somente em casos excepcionais, em no máximo dois períodos, desde que o empregado pudesse gozar as férias num período de no mínimo dez dias corridos e noutro de 20.

Ocorre que o texto atual adotou a seguinte redação:

Art. 134. As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.

  • 1º Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.

Dessa maneira, a regra continua sendo a concessão das férias em um único período. Inobstante, a reforma facilitou a possibilidade de fracionamento deste período, substituindo a exigência da excepcionalidade pela concordância do empregado, e aumentando a divisão das férias para até três períodos, mas ainda condicionando ao tempo de duração do gozo em cada período fracionado.

Importa dizer, também, que a reforma trabalhista inovou com a inclusão do §3º no art. 134, que passou a vedar o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado. O texto legal anterior nada dizia acerca disto. Apenas havia o Precedente Normativo nº 100, do TST, que já orientava no sentido de que o início das férias não poderia coincidir com sábado, domingo, feriado ou dia de compensação de repouso semanal.

Outra alteração que merece atenção é a revogação do §2º, do art. 136. O texto revogado garantia o gozo das férias em um único período aos menores de dezoito anos e aos maiores de cinquenta, de forma que era vedado o fracionamento nestes casos, que agora são regidos pela regra geral.

Vale relembrar, ainda, que, conforme já era previsto no Caput do art. 136, inalterado pela reforma, “a época da concessão das férias será a que melhor consulte os interesses do empregador”.

Ademais, não houve alteração quanto às outras garantias pertinentes às férias individuais anteriores à reforma, continuando assegurado aos membros da mesma família que trabalharem no mesmo estabelecimento ou empresa gozarem as férias no mesmo período (§1º, art. 136); ao empregado estudante, menor de dezoito anos, fazer coincidir as suas férias com as férias escolares (§2º, art. 136); e, a percepção das férias em dobro, caso sejam concedidas após o prazo legal (art. 137).

Por fim, convém salientar que tanto empregado quanto empregador podem ingressar com ação judicial objetivando o cumprimento da legislação laboral, mormente quanto às alterações suscitadas.

Fui demitida, mas estou grávida… E agora?

 

A lei trabalhista prevê direitos específicos à empregada gestante, e um deles é a estabilidade no emprego durante o período gestacional até cinco meses após o parto (art. 391-A, da CLT), cabendo reintegração no emprego em caso de demissão arbitrária ou imotivada, bem como indenização correspondente aos salários e seus reflexos desde a demissão até a efetiva reintegração.

Porém, há um detalhe que gera tamanha discussão jurídica, ainda: o termo inicial dessa estabilidade, o fato gerador do direito à estabilidade.

O texto constitucional dispõe no seguinte sentido: fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (…); b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. (art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT).

Não à toa destacamos o termo ‘confirmação’, pois é justamente esse o ponto que gera o dissenso doutrinário e jurisprudencial em comento.

Nos exatos termos da Constituição Federal a empregada gestante não pode ser demitida desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, de forma que o legislador constitucional adotou como termo inicial da estabilidade gestacional a confirmação da gravidez. Mas, nesse caso, o que se depreende do vocábulo ‘confirmação’?

Vamos exemplificar para facilitar a compreensão da divergência: imaginemos que a empregada foi demitida e, apenas depois da demissão, descobriu que estava grávida, realizando exame médico hábil que comprovou concepção da gravidez na vigência do contrato de trabalho. Nesse caso, temos a concepção da gravidez antes da demissão da empregada, e sua comprovação depois.

É justamente nesse ponto que orbita a celeuma: enquanto objeto inicial do direito à estabilidade gestacional, se o termo ‘confirmação’ consiste em concepção ou comprovação da gravidez. Em outras palavras, se ao empregador é vedado demitir a empregada gestante desde a concepção da gravidez ou desde sua comprovação por meio de exame médico hábil.

Note-se que, caso o entendimento seja ‘desde a concepção da gravidez’, estamos diante de responsabilidade objetiva do empregador, pois basta o estado gravídico da empregada para que seja vedada a demissão arbitrária ou sem justa causa. Ao passo que, se adotarmos o entendimento ‘desde a comprovação’ estaremos diante de responsabilidade subjetiva do empregador, pois tão somente a comprovação pretérita da gravidez perante o empregador obstaria a demissão, exigindo-se, portanto, o conhecimento da gravidez e a realização do exame médico antes do ato demissional.

Nesse cenário, temos duas correntes argumentativas: a da teoria da responsabilidade objetiva do empregador e a de sua responsabilidade subjetiva, como se infere das ementas abaixo:

Ementa: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. CONFIRMAÇÃO DA GRAVIDEZ APÓS A DISPENSA. CONCEPÇÃO NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO. ESTABILIDADE ASSEGURADA. Consoante jurisprudência pacífica do col. TST, o fato gerador da garantia de emprego à empregada gestante surge com a concepção, independentemente da ciência do estado gravídico pelo empregador e pela própria empregada – pois a garantia de emprego tem por objeto a proteção do nascituro (art. 10, b, do ADCT c/c Súmula 244, do col. TST), sendo irrelevante, pois, que a confirmação da gravidez tenha ocorrido após a dispensa. Apelo patronal a que se nega provimento. (TRT–1, RO 0010366-96.2015.5.01.0074, 5ª Turma, Relator Enoque Ribeiro dos Santos, Publicação 10.07.2015).

Ementa: VOTO ESTABILIDADE PROVISÓRIA – GRAVIDEZ. Irresigna-se a Recorrente contra a sentença a quo que reconheceu não ser devida a estabilidade em função do seu estado gravídico e, em conseqüência, indeferiu a sua reintegração ao trabalho, bem como pagamento das parcelas decorrentes. Pleiteia, assim, a reforma da sentença de base para que seja reconhecida a estabilidade vindicada ou a indenização equivalente. Sem razão. Já é entendimento dominante neste Tribunal que o art. 10, II, “a”, do ADCT, não exige a comunicação formal ao empregador, pela empregada gestante, do seu estado de gravidez. É NECESSÁRIA, PORÉM, A CONFIRMAÇÃO DA GESTAÇÃO, QUE DEVE SE DAR ANTES DA DESPEDIDA. Isto, porém, não ocorreu in casu. Observe-se que a Reclamante traz aos autos, com o intuito de comprovar o seu estado gravídico, o exame ultra-sonográfico de fl. 09, datado de 29/09/2008, onde fora confirmada a gravidez, embora a despedida tenha ocorrido em 07/08/2008, aproximadamente cinqüenta dias antes. Não fosse isso suficiente, a própria Reclamante afirmou em audiência (fl.13) que nem mesmo ela sabia que estava grávida no dia da sua despedida. Desta forma, restou devidamente comprovado que à época da rescisão não havia confirmação do estado gravídico da Recorrente, pelo que, de acordo com o que preceitua o dispositivo que rege a matéria, não faz jus a Recorrente a estabilidade vindicada ou a indenização equivalente. O dispositivo que rege a matéria (art. 10, II, b, ADCT) é claro e inafastável: “…II- fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:…b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto.” (TRT-5, RO 0121900-19.2008.5.05.0611, Primeira Turma, Relatora Desembargadora Elisa Amado, Publicação 17/06/2009).

Inobstante, a teoria predominante é no sentido de que a responsabilidade do empregador é objetiva. Inclusive, esse é o entendimento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho, conforme elucidado pela Ministra Delaíde Miranda Arantes, na relatoria da Revista do processo nº 169540-80.2008.5.02.0391, da 7ª Turma do TST:

A jurisprudência desta Corte já se posicionou no sentido de que, ainda que a confirmação da gravidez aconteça após a dispensa da empregada, e mesmo que o empregador não tenha ciência do estado gravídico, esta faz jus à estabilidade gestacional desde que a concepção tenha ocorrido na vigência do contrato de trabalho.

A Súmula 244, do TST tentou por fim à discussão ao dispor no item I que “o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade”, contudo nos parece que ainda não é o fim da celeuma, mormente em vista das inúmeras decisões proferidas pelos tribunais regionais com entendimento que para garantia da estabilidade gestacional necessária comprovação do estado gravídico antes da ruptura contratual.

Vale ressaltar que a matéria é muito mais densa que o exposto sumariamente até aqui, envolvendo questões de dignidade humana, direito à vida e à proteção do nascituro, sendo oportuno, portanto, o aprofundamento do tema.

De toda sorte, não resta dúvida que a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória no emprego, e caso seja demitida faz jus a reintegração no cargo, bem como à indenização correspondente aos salários e demais vantagens e reflexos salariais desde a rescisão até sua efetiva reintegração, não obstante, como exposto, a controvertida matéria quanto ao termo inicial da referida estabilidade.